GIL VICENTE

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(1465 — 1536);

É geralmente considerado o primeiro grande dramaturgo português, além de poeta de renome. Há quem o identifique com o ourives, autor da Custódia de Belém, mestre da balança, e com o mestre de Retórica do rei Dom Manuel. Enquanto homem de teatro, parece ter também desempenhado as tarefas de músico, actor e encenador. É frequentemente considerado, de uma forma geral, o pai do teatro português, ou mesmo do teatro ibérico já que também escreveu em castelhano - partilhando a paternidade da dramaturgia espanhola com Juan del Encina.

A obra vicentina é tida como reflexo da mudança dos tempos e da passagem da Idade Média para o Renascimento, fazendo-se o balanço de uma época onde as hierarquias e a ordem social eram regidas por regras inflexíveis, para uma nova sociedade onde se começa a subverter a ordem instituída, ao questioná-la. Foi, o principal representante da literatura renascentista portuguesa, anterior a Camões, incorporando elementos populares na sua escrita que influenciou, por sua vez, a cultura popular portuguesa.

Vida

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Local e data de nascimento

 Apesar de se considerar que a data mais provável para o seu nascimento tenha sido em 1466, há ainda quem proponha as datas de 1460 ou entre 1470 e 1475. Desde 1965, quando decorreram festividades oficiais comemorativas do quincentenário do nascimento do dramaturgo, que se aceita 1465 de forma quase unânime.

Os locais de nascimento que se propõem para o dramaturgo são vários (Barcelos, Guimarães, Lisboa e Beiras).


Poeta-ourives?

 Cada livro publicado sobre Gil Vicente é, quase sempre defensor de uma qualquer tese que identifique ou não o autor ao ourives. A favor desta hipótese existe o facto de o dramaturgo usar com regularidade termos técnicos de ourivesaria na sua obra.

Dados biográficos

 Apesar de se considerar que a data mais provável para o seu nascimento tenha sido em 1465, Sabe-se que casou com Branca Bezerra, de quem nasceram Gaspar Vicente (que morreu em 1519) e Belchior Vicente (nascido em 1505). Depois de enviuvar, casou com Melícia Rodrigues de quem teve Paula Vicente (1519-1576), Luís Vicente (que organizou a compilação das suas obras) e Valéria Borges. Presume-se que tenha estudado em Salamanca.

O seu primeiro trabalho conhecido, a peça em sayaguês Auto da Visitação, também conhecido como Monólogo do Vaqueiro, foi representado nos aposentos da rainha D. Maria I, para celebrar o nascimento do príncipe (o futuro D. João III) - sendo esta representação considerada como o marco de partida da história do teatro português. Tornou-se, então, responsável pela organização dos eventos palacianos. Dona Leonor pediu ao dramaturgo a repetição da peça pelas matinas de Natal, mas o autor, considerando que a ocasião pedia outro tratamento, escreveu o Auto Pastoril Castelhano. De facto, o Auto da Visitação tem elementos claramente inspirados na "adoração dos pastores", de acordo com os relatos do nascimento de Cristo. A encenação incluía um ofertório de prendas simples e rústicas, como queijos, ao futuro rei, ao qual se pressagiavam grandes feitos. Gil Vicente que, além de ter escrito a peça, também a encenou e representou, usou, contudo, o quadro religioso natalício numa perspectiva profana. Perante o interesse de Dona Leonor, que se tornou a sua grande protectora nos anos seguintes, Gil Vicente teve a noção de que o seu talento lhe permitiria mais do que adaptar simplesmente a peça para ocasiões diversas, ainda que semelhantes.

Se foi realmente ourives, terminou a sua obra-prima nesta arte - a Custódia de Belém - feita para o Mosteiro dos Jerónimos, em 1506, produzida com o primeiro ouro vindo de Moçambique. Três anos depois, este mesmo ourives tornou-se vedor do património de ourivesaria no Convento de Cristo, em Tomar, Nossa Senhora de Belém e no Hospital de Todos-os-Santos, em Lisboa.

Consegue-se ainda apurar algumas datas em relação a esta personagem que tanto pode ser una como múltipla: em 1511 é nomeado vassalo de el-Rei e, um ano depois, sabe-se que era representante da bandeira dos ourives na "Casa dos Vinte e Quatro". Em 1513, o mestre da balança da Casa da Moeda, também de nome de Gil Vicente (se é o mesmo ou não, como já se disse, não se sabe), foi eleito pelos outros mestres para os representar junto à vereação de Lisboa.


Será ele que dirigirá os festejos em honra de Dona Leonor, a terceira mulher de Dom Manuel, no ano de 1520, um ano antes de passar a servir Dom João III, conseguindo o prestígio do qual se valeria para se permitir a satirizar o clero e a nobreza nas suas obras ou mesmo para se dirigir ao monarca criticando as suas opções. Foi o que fez em 1531, através de uma carta ao rei onde defende os cristãos-novos.

Morreu em lugar desconhecido, talvez em 1536 porque é a partir desta data que se deixa de encontrar qualquer referência ao seu nome nos documentos da época, além de ter deixado de escrever a partir desta data.

Obra

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Características principais

 A sua obra vem no seguimento do teatro ibérico popular e religioso que já se fazia, ainda que de forma menos profunda. Os temas pastoris, presentes na escrita de Juan del Encina vão influenciar fortemente a sua primeira fase de produção teatral e permanecerão esporadicamente na sua obra posterior, de maior diversidade temática e sofisticação de meios. De facto, a sua obra tem uma vasta diversidade de formas: o auto pastoril, a alegoria religiosa, narrativas bíblicas, farsas episódicas e autos narrativos.

O seu filho, Luís Vicente, na primeira compilação de todas as suas obras, classificou-as em autos e mistérios (de carácter sagrado e devocional) e em farsas, comédias e tragicomédias (de carácter profano). Contudo, qualquer classificação é redutora - de facto, basta pensar na Trilogia das Barcas para se verificar como elementos da farsa se misturam com elementos alegóricos religiosos e místicos (o Bem e o Mal).


Elementos filosóficos

Na obra vicentina, A obra de Gil Vicente transmite uma visão do mundo que se assemelha e se posiciona como uma perspectiva pessoal do Platonismo: existem dois mundos - o Mundo Primeiro, da serenidade e do amor divino, que leva à paz interior, ao sossego e a uma "resplandecente glória", como dá conta sua carta a D. João III; e o Mundo Segundo, aquele que retrata nas suas farsas: um mundo "todo ele falso", cheio de "canseiras", de desordem sem remédio, "sem firmeza certa". Estes dois mundos reflectem-se em temas diversos da sua obra: por um lado, o mundo dos defeitos humanos e das caricaturas, servidos sem grande preocupação de verosimilhança ou de rigor histórico.


Legado

Note-se que a obra de Gil Vicente não se resume ao teatro, estendendo-se também à poesia. Podemos citar vários vilancetes e cantigas, ainda influenciadas pelo estilo palaciano e temas dos trovadores. Os seus filhos, Paula e Luís Vicente, foram os responsáveis pela primeira edição das suas obras completas. Em 1586, sai à estampa uma segunda edição, com muitas passagens censuradas pela Inquisição. Só no século XIX se faria a redescoberta do autor, com a terceira edição de 1834, em Hamburgo, levada a cabo por Barreto Feio.




OBRAS:
 


·                     Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação (1502)

·                     Auto Pastoril Castelhano (1502)

·                     Auto dos Reis Magos (1503)

·                     Auto de São Martinho (1504)

·                     Quem Tem Farelos? (1505)

·                     Auto da Alma (1508)

·                     Auto da Índia (1509)

·                     Auto da Fé (1510)

·                     O Velho da Horta (1512)

·                     Exortação da Guerra (1513)

·                     Comédia do Viúvo (1514)

·                     Auto da Fama (1516)

·                     Auto da Barca do Inferno (1517)

·                     Auto da Barca do Purgatório (1518)

·                     Auto da Barca da Glória (1519)

·                     Cortes de Júpiter (1521)

·                     Comédia de Rubena (1521)

·                     Farsa de Inês Pereira (1523)

·                     Auto Pastoril Português (1523)

·                     Frágua de Amor (1524)

·                     Farsa do Juiz da Beira (1525)

·                     Farsa do Templo de Apolo (1526)

·                     Auto da Nau de Amores (1527)

·                     Auto da História de Deus (1527)

·                     Tragicomédia Pastoril da Serra da Estrela (1527)

·                     Farsa dos Almocreves (1527)

·                     Auto da Feira (1528)

·                     Farsa do Clérigo da Beira (1529)

·                     Auto do Triunfo do Inverno (1529)

·                     Auto da Lusitânia, intercalado com o entremez Todo-o-Mundo e Ninguém (1532)

·                     Auto de Amadis de Gaula (1533)

·                     Romagem dos Agravados (1533)

·                     Auto da Cananea (1534)

·                     Auto de Mofina Mendes (1534)

·                     Floresta de Enganos (1536)